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Memória afetiva: uma crônica para o Dia dos Pais

Por João Pedro Corrêa Branquinho

Apontava o céu estrelado e verbalizava a explicação, que embora imperativa com a certeza de criança, era também um mistério a ser desvendado pela inocência curiosa.

 Como poderiam essas estrelas, tão irradiantes e luminosas, já estarem mortas?

 As constelações que faziam o telhado da interação do garoto com seu velho, eram apenas resquícios de algo do passado. Fantasmas passageiros, assim como aquele momento foi.

 – Elas estão a anos-luz de nós papai. Tão longes que se estivéssemos de lá avistando a Terra com um super telescópio, veríamos andando por aqui os dinossauros. Não faço a menor ideia do porquê ou como, mas li na revista Mundo Estranho. O espaço e o tempo são relativos, essas estrelas nem devem estar mais vivas, mas só agora suas luzes estão chegando para a gente… Acho que morreram há milhões de anos, e deram seu último suspiro luminoso. Imagine só você sendo uma estrela solitária, existindo por milhões de anos, mas a milhões de anos da outra estrela solitária mais próxima… Tudo o que lhe resta é brilhar, na esperança que algum ser vivo, mesmo irrelevantes como nós, víssemos essa luz, e como na maioria das vezes, nem damos a devida importância. Talvez nenhum ser vivo tenha visto o brilho dessa estrela em específico – e aponta – enquanto ela ainda estava viva, a não ser nós, terrestres. É como nas aulas de História papai, todas aquelas informações sobre o passado, e o meu amigo ainda insiste em dormir durante a explicação. Quando eu for só mais um capítulo no livro de História, iluminando o futuro como essa estrela, mesmo depois de morto, iria gostar que ao menos se entregassem ao momento e à luz da informação…

  O garotinho poderia seguir por mais algumas horas nesse monólogo, se não fosse a interrupção do pai. Não era uma interrupção nociva, que atrapalhasse a irradiação solar de seu conhecimento. Não, de jeito algum, pai e filho estavam sintonizados, e como numa dança seguiam sentados na calçada, a noite admirando as estrelas.

  – Você tem certeza de que não é o Pequeno Príncipe?

  Ambos caem na risada.

  – Príncipes são aristocratas nojentos… Tadinho do personagem herdar esse título, embora eu entenda o sentido poético referente à nobreza dele, é só que, ainda assim, não deixo de associar ao sentido literal de nobreza, e isso me enjoa.

  – Filhote, me lembra de deixar meus livros em um lugar mais alto, onde você não alcance. Uma criança não deveria comer Bakunin no café da manhã e Carl Sagan no lanche da tarde.

  – Ei, são só petiscos, meu prato principal ainda é Turma da Mônica, relaxa. Eu ainda sou criança, ainda como terra, ainda quero martelar a televisão, ainda levo rola de skate, ainda tenho muito a aprender, com você em específico, e com os cachorros, é claro… O Bidu e o Théo são muito sábios, me ensinam sobre esquilos, cheiros, fidelidade e amizade.

  O pai suspira e ri. Momentos como esses, onde esquece que na manhã seguinte o pesadelo recomeça, e que ainda falta lançar notas de crianças mais velhas e muito menos interessadas que seu filho.

  Nesse exato instante, só havia os dois, as risadas e um professor se tornando aluno novamente.

  – Vai ter jogo do Corinthians lá no Pacaembu, filho. A gente pega o trem sentido Barra Funda, senta na janela, você me fala o nome da próxima estação sem errar viu? E aí eu conto história por história, de cada lugar que passarmos. Depois que a gente descer na Palmeiras Barra funda – e faz cara de nojo quando pronuncia o primeiro nome — a gente caminha até o Estádio Paulo Machado, que fica na praça Charles Miller, e então eu te explico quem foi cada um desses dois nomes, e também quem foi cada um dos que nomeiam as ruas por onde passaremos. Sabia que embaixo das arquibancadas tem o Museu do Futebol? A gente chega mais cedo para comprar o ingresso e curte o Museu.

  – Combinado, posso ir com a camisa roxa do Ronaldo e você com a vermelha do São Jorge?

  – Ogum iê!

  Ambos se voltam para o céu novamente, mas agora admiram a Lua! Palco do embate entre o santo e o dragão.

  Louvado sejam esses momentos. Eternizados. Ecoando pela eternidade. Atemporal. Anos-luz. Tempo-Espaço.

  – Olha para o céu filho, as estrelas parecem uma arquibancada, um bando de loucos vibrando.

  – Orion é a Gaviões ou Pavilhão?

  – É todo mundo, é 30 milhões!

  – As Três Marias com sinalizador na mão, Cruzeiro do Sul com tambor puxando grito de guerra, Escorpião com bandeirão, Cão Maior xingando juiz, Cão menor rezando pelo gol…

  – Qual o nome daquelas duas ali?

  O mistério cala o diálogo. O garoto que conhecerá todas as constelações, se surpreenderá com duas novas estrelas que dançavam ali.

  Assim como a morte, o nascimento de estrelas também havia de ser demorado, mas ele via com os próprios olhos as duas estrelas surgindo, como dois olhos de Deus assistindo a criação. Brotará ali sem mais nem menos.

  – Olha só, espero que tenham surgido ali agora. Prefiro acreditar em milagres a aceitar que desconheço essas duas.

  – Podemos nomear? Que tal Pai e Filho?

  – Márcio e João!

  • João Pedro Corrêa Branquinho

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