
Milho verde, canjica, arroz doce, pé-de-moleque, vinho quente, quentão… Se você gosta de tudo isso, significa que é fã de uma boa festa junina. Com o início da temporada das celebrações de junho e julho, muitos ituanos já começam a ficar com água na boca imaginando todos esses quitutes. Um, em especial, representa bem a tradição em Itu: o cuscuz de quermesse.
Para o palestrante e pesquisador Heyttor Barsalini, o prato deveria ser considerado patrimônio ituano por conta de sua representatividade. “O cuscuz é um prato muito presente nas festas caipiras, inclusive aqui em Itu a gente tem uma riqueza muito grande, que são os cuscuzes de quermesse. Eu até defendo que deveria se tornar patrimônio imaterial da cidade, porque é um prato que representa muito essa cultura caipira e católica ituana”, afirma em entrevista ao JP.
Barsalini é ituano, morou muito tempo fora da cidade e, há três anos, retornou para Itu. Nesse período, vem “perseguindo” os cuscuzes de quermesse. “Eu tenho feito toda a ‘via sacra’ das quermesses da cidade para conferir se tem cuscuz e em todas elas que eu fui tem. É uma das coisas mais procuradas e existe um orgulho das pessoas que fazem. É diferente do cachorro-quente, do lanche de pernil, dos doces… O cuscuz tem uma identidade, quase que uma assinatura”, afirma o pesquisador.
Nessa “perseguição” pelo melhor cuscuz de quermesse, Barsalini já se deparou com alguns não tão bons, por assim dizer, que são os mais secos e com menos sabor. “O melhor é aquele que tem a suculência adequada, mas que não é mole, e equilibrado em sabor. Para mim, o melhor é da festa da Paróquia de São Camilo, no bairro Novo Itu. Aquele cuscuz é imbatível”, afirma.
Mas, para tirar a dúvida de qual seria o melhor cuscuz de quermesse de Itu, Heyttor Barsalini sugere: um concurso gastronômico. “Vale a pena até fazer um ranking dos cuscuzes de quermesse da cidade para a gente avaliar.”
Origem do cuscuz
O cuscuz de quermesse de Itu é o chamado cuscuz paulista, cujas lendas apontam que teria surgido na época dos tropeiros, que colocavam em um farnel (espécie de saco) galinha cozida e farinha. Com o movimento do cavalo, isso iria se misturando e originando em um “cuscuz primitivo”. Mas, para Barsalini, o cuscuz comum em São Paulo é apenas uma das maneiras de se consumir aquele tipo de carboidrato, tal como o pirão do litoral, feito com farinha de mandioca, e o “viradinho” tradicional do interior. O pesquisador explica que o cuscuz tem origem no Oriente Médio – no Brasil, conhecemos como “cuscuz marroquino”.
“Ele é feito à base de sêmola de trigo. Isso é hidratado em um caldo saborizado e é muito comum em restaurantes de comida árabe. Quando os africanos chegam no Brasil, na condição de escravizados, eles tentam manter seus hábitos culturais. Na falta do trigo, eles encontram um substituto que é uma granulação da farinha de milho, que a gente chama de flocão, que é muito comum no Nordeste brasileiro.” Há, inclusive, uma richa entre o cuscuz nordestino e o paulista, que chegou a ser eleito o pior prato da culinária brasileira e é considerado “feio” por internautas país afora.
“Esse referencial de mais feio ou mais bonito é extremamente relativo. A gente tem, por um processo de colonização, uma condição de idolatrar o que vem de fora, com base nesse eurocentrismo. Os referenciais de beleza foram impostos pela gastronomia francesa, que puxou muito da plástica da culinária japonesa. Mas a beleza de um prato brasileiro, no sentido não só plástico mas histórico que carrega, é gigantesca. É muito maior do que um prato elaborado em um restaurante gourmet”, defende Barsalini.
Para ele, o cuscuz paulista é extremamente lindo por conta de suas variações – pode ser feito com frango, com linguiça, com sardinha etc. “A minha avó paterna Olinda brincava que abria a despensa e via o que tinha para fazer o cuscuz, e ficava extremamente saboroso. A estética vai mudando e ele é imbuído de muita história e de muita beleza”, afirma.
Heyttor e a mulher Isamara Gouvea mantêm o projeto Receitas Históricas Brasileiras, em que exploram as raízes e sabores da história da alimentação brasileira. “Atualmente, nós do Receitas Históricas Brasileiras, estamos trabalhando em parceria com o Projeto Roteiro do Milho, que desenvolve diversas ações de valorização do milho crioulo, na região Sudoeste do Estado. Cada vez mais pretendemos que pratos como o cuscuz paulista sejam preparados com grãos crioulos e não com milho transgênico.”
Origens juninas
As festas juninas que temos no Brasil têm origem nas culturas pagãs do norte da Europa. “Eram rituais de agradecimento pela colheita e pedida para que a próxima safra fosse farta”, conta Heyttor Barsalini. Segundo ele, essas crenças são assimiladas pelo catolicismo, com alguns elementos da cultura medieval católica sendo unificados – como os minuetos que originaram as atuais quadrilhas.
No Brasil, essa tradição é adaptada à safra do milho, no período junino. “O milho é um alimento ancestral indígena, então a gente tem esse sincretismo mitológico de reverenciar santos através da alimentação local e da valorização da safra, que é uma referência nórdica tribal, mas com elementos nativos do Brasil. A fogueira, por exemplo, que é fundamental, é um elemento simbólico ancestral também indígena brasileiro.”
Heyttor Barsalini defende que as festas juninas são as que mais refletem a cultura brasileira, se adaptando às realidades de cada região. “O Carnaval tem alguns modelos, como os bloquinhos em São Paulo e os desfiles no Rio de Janeiro, que as outras cidades acabam tentando reproduzir. Agora, as festas juninas têm uma autenticidade regional muito mais orgânica.”
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