Durante o governo Vargas, o maestro Heitor Villa- Lobos sugeriu que fosse criada, nas escolas, através do Ministério da Educação, uma matéria chamada Música, com a mesma importância de língua portuguesa e matemática.
O argumento usado por Villa- Lobos era de que o Brasil, por ser um país continente, com o passar dos anos tero dificuldade em reconhecer qual a verdadeira música brasileira. Imaginem o Brasil, um país de tanta musicalidade, com influências africanas, indígenas, europeias não deixava mesmo de preocupar o maestro.
O Ministério da Educação achou que se tratava de um projeto audacioso e de grande envergadura e, com a imensa dificuldade de uma aplicação do projeto nacionalmente. Diante disso, o ministério acabou adotando na educação básica brasileira, a matéria Canto Orfeônico, uma causa que foi abraçada por Villa-Lobos, mesmo porque essa ideia já havia passado por sua cabeça..
Para o maestro Julio Medaglia, Villa-Lobos achava o Brasil muito grande e irregular, o uso da voz seria a forma mais simples de trazer informação e disciplina aos jovens, já que se trata de um instrumento natural. Escreve também, o maestro Medaglia, que Villa-Lobos temia que “a indústria cultural” fosse transformar “a música num objeto comercial e nem sempre teria os melhores critérios na escolha dos repertórios.”
Como previa Villa-Lobos hoje, modernamente, temos uma variedade de sons e letras explorando muito bem essa diversidade de influências que vão do funk, do rap, do sertanejo, do amor à sofrencia indo até a good vibes, que se traduz como algo com boas vibrações.
Em razão desse processo e de outros é que se debate, com muita frequência, a questão da identidade cultural, acentuando-se a busca dos verdadeiros valores na formação do homem brasileiro. Procura-se, a partir de índios, portugueses e negros, traçar o verdadeiro perfil de nossa brasilidade, em aspectos diversos como fé, dança ou comida, dentre tantos outros. Seguem-se orientações que vão da benevolência de Gilberto Freire à crítica mordaz de Roberto da Mata, passando por Câmara Cascudo, Paulo Prado, Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido, até Darci Ribeiro.
Hoje, mais que ontem, o mundo da cultura popular, do folclore, esse mundo caipira continua em nós, preso à memória, nas lidas do campo, nos ritos e cantos, no cheiro dos matos, na transparência dos céus e das águas. O mundo do interior ainda vive em nós nas Cantigas de Roda, nos Contadores de Causos, na Folia de Reis, no Palmeado e Sapateado do Catira, nas Cavalhadas e Congadas, nas Festas Juninas e Dança de Quadrilha, nos Mutirões nas fazendas. Ali estamos nós, ali estão os nossos antepassados.
Pois é neste ponto que eu quero chegar, a questão da continuada perda de nossa identidade cultural, também com relação às Festas Juninas. Em razão de eu ser estudioso da cultura popular, folclorista, e ter sido Presidente da Comissão Goiana de Folclore, atuei por vários anos, na condição de jurado de vários tipos de manifestações da cultura popular, entre elas Festivais da Dança da Quadrilha.
A dança em pares, comum nas quadrilhas é uma alegoria da corte francesa. A dança da quadrilha chegou a Portugal de onde veio para o Brasil a partir do século XIX, onde caiu no gosto da nobreza no Rio de Janeiro, e, incorporou-se de forma plena, em nosso país, na cultura brasileira, por meio das festas do Ciclo Junino, Santo Antonio, São João e São Pedro
Como todas as nossas manifestações culturais no Brasil , a Dança da Quadrilha, infelizmente, tem passado por um processo de perda de identidade, de sua originalidade. Quanto ao figurino os homens devem usar camisa xadrez e chapéu de palha, sapato rústico ou botina, enquanto as mulheres devem usar vestidos coloridos e maquiagem um pouco carregada. A música que embala as noites Juninas deve ser formada por viola, violão, triângulo, sanfona e zabumba.
Em alguns júris dos quais fui membro, estava no regulamento que ganharia tantos pontos o grupo que apresentasse o figurino mais “apresentável” e, dentro desse quesito o que predominava eram homens e mulheres trajando roupa totalmente fora do padrão caipira e, alguns grupos vestidos com estilo Country.
Sem contar que em lugar da música de sanfona, a música de forró, o que rolava e, ainda rola, a música sertaneja universitária. Prova contundente da perda da identidade cultural. Foi exatamente por essa razão que no ano de 2017 nasceu a campanha “Devolva Meu São João”, que ganhou espaço nas redes sociais e teve apoio de artistas como Elba Ramalho, Nivaldo Expedito de Carvalho, o Chambinho do Acordeon.
Segundo o músico, que é um dos idealizadores do movimento, é preciso valorizar o forró. “Não sou absolutamente contra a inserção de outros gêneros, mas a partir do momento que o forró fica praticamente fora das grandes grades de São João, passa sim a se descaracterizar a festa” Continua o músico.
Como o forró é uma expressão cultural, é um bem imaterial. Tudo o que é considerado Patrimônio Nacional, seja material, arquitetônico, natural ou imaterial ganha a exigência de sua preservação e manutenção por parte do poder público, por isso é tão importante.
- Álvaro Catelan, natural de Ubarana (SP), atualmente mora em Itu. Formado em Letras vernáculas pela PUC-GO. Autor de vários estudos sobre literatura e Cultura Caipira. Foi presidente da Comissão Goiana de Folclore.
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Publicado em June 6, 2022.
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