Após ter sido pego de surpresa em meio às minhas férias na Argentina e ter sido obrigado a cumprir 15 dias de isolamento naquele país, devido à pandemia da coronavírus, regressei para a minha casa em São Paulo e iniciei outro isolamento a partir do dia 1 de abril.
Desde então nunca mais saí de casa, não pude até mesmo ir a Itu visitar a minha própria família. As raras saídas de casa são somente para ir ao mercado a poucas quadras daqui. Como moro sozinho, não tenho alternativa.
Paralelamente a isso, todos nós fomos acompanhando o movimento da escalada autoritária pelo país, o que vem representando uma ameaça direta ao Estado democrático de direito.
Sempre fui envolvido com as torcidas do Ituano, do Corinthians e do Huracán na Argentina. São tanto movimentos organizados, como de grupos espontâneos que se reúnem na arquibancada. Nós, torcedores, enquanto cidadãos brasileiros, não poderíamos ficar inertes ante a situação que assola nosso país.
As torcidas são um reflexo da sociedade e podemos encontrar uma diversidade enorme de posicionamentos dentro delas, entretanto, não podemos negar a sua ativa participação no contexto de lutas contra o autoritarismo. Como exemplo temos a Gaviões da Fiel que foi criada em 1969 com o objetivo de derrubar um ditador que ditava as regras no Corinthians desde 1961.
Tratava-se de Wadih Helu, deputado da ARENA, partido que dava sustentação política à ditadura militar. A torcida também exerceu papel ativo durante o período de redemocratização do país, tendo como aliados os próprios jogadores do Corinthians que fundaram o movimento da Democracia Corinthiana, ainda durante o período ditatorial.
Temos ciência da necessidade de isolamento, mas foi necessário correr o risco ante essa escalada autoritária que reivindica a Ditadura Militar, o AI-5 e símbolos de grupos de extrema direita da Europa. Integrantes das torcidas dos quatro grandes clubes de São Paulo se juntaram e deram prosseguimento ao movimento iniciado no dia 9 de maio pelo torcida do Corinthians.
Iniciamos a nossa passeata às 12h e tudo corria de maneira pacífica. Até que por volta das 13h começaram a chegar grupos de pessoas defensoras do atual governo. A polícia militar fez uma barreira, na altura do MASP, para isolar esse grupo.
Os ânimos começaram a se exaltar quando algumas pessoas pró-governo começaram a ostentar bandeiras do Pravyy Sektor, partido ucraniano de extrema direita e defensor de ideologias totalitárias. Dois homens com fardamento militar e com referências a esse partido, em sinal de provocação, adentram o espaço das torcidas e tiveram que ser escoltados de volta pela PM até o outro lado. O cenário era de guerra.
A partir desse momento a PM iniciou um ataque contra as torcidas com gás de lacrimogêneo e bombas de efeito moral. A torcida resistiu às agressões e a PM entrou com o batalhão de choque para iniciar uma varredura no sentido da rua Consolação.
A tática da PM foi de avançar pela Paulista e de atacar pela via paralela da Alameda Santos. As torcidas resistiram por bastante tempo, foi somente no final da tarde que a PM assumiu o controle da avenida Paulista.
Nos dispersamos e firmamos nosso compromisso de seguir lutando pelos direitos democráticos e contra a escalada autoritária que assola o país. Não é só futebol!
Tenho receio de ter pego Covid-19, pois sei que me expus, e nesta semana tenho a defesa do meu doutorado, mas trata-se da nossa sobrevivência como sociedade livre e democrática.
- Bruno Pereira de Lima Aranha, 37 anos, professor
(Foto destaque: Fotos Públicas/ Pam Santos)
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O post ““Cenário era de guerra”” foi publicado em June 1, 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Jornal de Itu