Por André Roedel*
Eu costumo acompanhar com atenção as tendências do mercado literário, em especial o brasileiro. Elas costumam dizer muito sobre o rumo da sociedade. Depois de “Café com Deus Pai” (obra que reúne devocionais religiosos com um verniz de autoajuda selecionados pelo pastor Junior Rostirola), a nova febre nas livrarias físicas e virtuais são os livros de colorir para adultos da série “Bobbie Goods”.
Criada pela estadunidense Abbie Gouveia, a série de livros vem ocupando o topo das listas de mais vendidos semana a semana. Virou moda e há quem destaque a função terapêutica das obras, além de uma opção para fugir das telas. Esse tipo de publicação não é novidade – quem não se lembra daquelas mandalas relaxantes da série “Jardim Secreto” que fizeram sucesso há cerca de dez anos?
O que estranha, agora, é o tema infantil, mostrando uma espécie de “regressão mental” do brasileiro médio, Não vejo problemas que crianças comprem, pois é importante para estimular a criatividade e a coordenação motora. O problema é quando leitores (aliás, quem compra livro de colorir deveria ser considerado leitor?) adultos compram esse tipo de item.
Nossa lista de livros mais vendidos historicamente é dominada por obras espíritas e de autoajuda, mas de um tempo pra cá foi invadida por pseudolivros de coachs e pastores (alguns com grande histórico de picaretagem), ganhando o reforço de ursinhos fofinhos prontos para serem coloridos por adultos infantilizados.
Na mais recente lista dos mais vendidos do site “PublishNews”, não há uma obra de literatura sequer entre os 10 mais vendidos: apenas livros de colorir, autoajuda, obra de algum youtuber em voga e cafés com [insira alguma figura da religião cristã aqui]. Se ampliarmos a lista um pouco, nos deparamos com alguns romances “água com açúcar” estrangeiros, que viralizam no TikTok e outras redes sociais.
De vez em quando um livro mais interessante fura essa bolha, como “Ainda estou aqui” de Marcelo Rubens Paiva (editora Alfaguara), que virou best-seller por conta do Oscar de Melhor Filme Internacional recebido pelo longa-metragem que se baseou na obra. Na seção “ficção” ao menos há um respiro: livros de Carla Madeira, Socorro Acioli e até Clarice Lispector, falecida há mais de 40 anos, estão presentes.
Esse cenário todo que apresentei é assustador. Estamos diante de uma geração que lê cada vez menos, e isso não sou eu que estou afirmando. A 6ª edição do levantamento “Retratos da Leitura no Brasil”, divulgado em novembro do ano passado, revelou que 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. Foi a primeira vez que o estudo mostrou que a maioria dos brasileiros não leem livros.
As tiragens das editoras estão cada vez menores. As livrarias estão cada vez mais escassas – e as que sobrevivem não conseguem competir com gigantes como a Amazon. As crianças passam mais tempo em frente às telas dos computadores e smartphones do que com um livro em mãos (a proibição dos celulares nas escolas pode trazer reflexos positivos em um futuro próximo, espero).
Mas o brasileiro não anda com dificuldade apenas em ler livros. Afinal, muitos acabam não se dedicando mais à leitura por diversas razões, como a correria do dia a dia e as jornadas exaustivas de trabalho. O problema de fluência leitora da sociedade é muito mais grave, como revelou o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) no início do mês de maio.
Segundo o estudo recente, três a cada 10 brasileiros são analfabetos funcionais – ou seja, conseguem apenas ler palavras isoladas, frases curtas, sem muita profundidade. O levantamento aponta ainda que a taxa de analfabetismo é maior entre pessoas com 40 anos ou mais, especialmente em pessoas negras.
Todos esses dados preocupam demais, pois a leitura proporciona inúmeros benefícios, como a expansão do conhecimento, melhora do vocabulário e do raciocínio, além de estimular a criatividade e a memória. Também contribui para a saúde mental, combatendo o stress e melhorando a qualidade do sono. Pessoas que leem mais também tendem a votar melhor e se indignar mais com o status quo. O “livro” mais vendido do país ser de colorir diz muito sobre isso…
*É chefe de redação do Periscópio.
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