
Uma minissérie britânica “Adolescência”, lançada em 13 de março pela Netflix, vem fazendo muito sucesso em todo o mundo, inclusive no Brasil. Criada por Jack Thorne e Stephen Graham e dirigida por Philip Barantini, a trama gira em torno de Jamie Miller (Owen Cooper), um estudante de 13 anos que é preso sob acusação de assassinar uma colega de classe.
A produção vem chamando a atenção por conta do uso de plano sequência (plano que registra a ação de uma sequência inteira, sem cortes) em todos os seus quatro episódios, liderando as listas de mais vistas desde seu lançamento. Além disso, por tratar de temas como machismo, cultura do ódio e uso sem supervisão da internet pelos adolescentes, vem levantando muitos debates nas redes sociais.
Nesta semana, a reportagem do JP ouviu a psicóloga clínica e ocupacional Camila Regina Malaquias, que comentou sobre a série e trouxe dicas para os pais e responsáveis identificarem ações problemáticas de seus filhos. Confira a entrevista:
– A série “Adolescência” levanta muitas questões referentes ao comportamento psicológico dos adolescentes, principalmente os meninos e o uso sem supervisão da internet. Quais cuidados os pais devem ter com essa faixa etária e quais comportamentos acendem o “sinal de alerta”?
A série conta com uma narrativa intensa e reflexiva, revelando que os desafios da adolescência mudaram com o acesso digital e às redes sociais e que os pais não estão preparados para isso. A tecnologia acelerou tudo, a forma de se relacionar sofreu alterações, o impacto na saúde mental é real e questões como ansiedade, imediatismo, discursos misóginos e conflitos familiares fazem parte da vida dos jovens.

Considerando que a adolescência é uma fase de transição intensa nos âmbitos físico, intelectual e emocional, em que os jovens buscam autonomia e independência, mas ainda precisam de orientação e apoio, é fundamental o papel dos pais na construção de um desenvolvimento saudável, mantendo o equilíbrio entre a supervisão e a individualidade.
Manter um diálogo aberto e escuta ativa é essencial para criar um ambiente seguro, onde o adolescente se sinta à vontade para expressar seus sentimentos sem medo de julgamentos ou punições. Além disso, acompanhar de forma atenta, sem controle excessivo e invasivo, ajuda a entender os desafios enfrentados nessa fase, especialmente no ambiente digital. Estimular o pensamento crítico também é uma estratégia importante, permitindo que os jovens desenvolvam discernimento e façam escolhas mais conscientes e saudáveis.
Outro ponto de atenção são os sinais de alerta que podem indicar sofrimento emocional, como mudanças bruscas de comportamento, isolamento, alterações no sono e na alimentação, além da perda de interesse por atividades antes prazerosas. Diante disso, o olhar acolhedor e o apoio dos pais são fundamentais para garantir um desenvolvimento saudável e equilibrado na transição para a vida adulta.
– Hoje uma das grandes preocupações é a exposição dos pequenos às telas. Quais recomendações os pais devem seguir para impedir que isso se torne um problema?
O uso excessivo de telas pode impactar níveis significativos no desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes, tornando essencial o estabelecimento de uma rotina com hábitos saudáveis. Para isso, algumas recomendações são fundamentais. Definir limites de tempo é um dos primeiros passos, seguindo diretrizes como as da Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugerem um uso equilibrado de acordo com a idade. Além disso, é importante estimular atividades offline, incentivando práticas como esportes, leitura e brincadeiras ao ar livre, que trazem benefícios para o desenvolvimento integral. Refeições e passeios em família também são fatores que fortalecem os vínculos e a confiança.
Outro ponto essencial é evitar o uso de telas antes de dormir, pois a exposição à luz azul pode prejudicar a qualidade do sono e afetar o desenvolvimento cognitivo. Também é fundamental supervisionar os conteúdos consumidos e promover diálogos sobre os temas envolvidos. Com equilíbrio e orientação, é possível integrar a tecnologia de forma saudável à rotina, sem comprometer o bem-estar e o desenvolvimento dos jovens.
– As redes sociais hoje estimulam muito o espírito de comparação entre os usuários. Isso pode desencadear em problemas de autoestima, que em um cenário mais extremo podem se agravar em casos como o visto na série? Como evitar esse tipo de situação?
As redes sociais levam os adolescentes a uma comparação constante, afetando a autoestima e aumentando a ansiedade. Para prevenir esses impactos, é essencial fortalecer a autoestima interna, mostrando que o valor de uma pessoa não depende de curtidas, mas sim de boas relações. A educação digital também é fundamental para que compreendam que as redes mostram realidades editadas e que por trás das telas, todos vivenciam desafios. Além disso, criar hobbies e talentos independentes da validação externa ajuda no autoconhecimento. Por fim, um monitoramento sutil dos pais, observando mudanças de humor e comportamento, pode contribuir para um uso mais equilibrado das redes sociais.
– O bullying também é outro fator que pode desencadear comportamentos agressivos nos adolescentes? Como trabalhar o emocional de jovens que sofrem com esse tipo de situação?
O bullying pode desencadear um ciclo de sofrimento emocional profundo, resultando tanto em comportamentos agressivos quanto em quadros de depressão e ansiedade. Por isso, é essencial oferecer suporte adequado para ajudar adolescentes a lidar com essa experiência de forma saudável.
O primeiro passo é garantir um ambiente de acolhimento, onde o jovem se sinta seguro para expressar seus sentimentos e tenha sua dor validada. O fortalecimento da confiança também é fundamental, incentivando o desenvolvimento de habilidades e interesses que aumentem sua confiança e senso de valor pessoal.
Além disso, contar com uma rede de suporte é essencial. O envolvimento de professores, familiares e outros profissionais pode facilitar intervenções eficazes quando necessário. Por fim, ensinar estratégias para lidar com conflitos, como técnicas de comunicação e defesa emocional, permite que o adolescente desenvolva resiliência e aprenda a se proteger de novas agressões. Com apoio e orientação, é possível quebrar esse ciclo e promover um desenvolvimento emocional mais equilibrado.
– Muitos desses problemas ocorrem em ambiente escolar. Como as escolas devem se preparar para manter a saúde mental de seus alunos?
Na série “Adolescência” é possível perceber como o ambiente escolar muitas vezes falha ao abordar questões emocionais de maneira adequada. Esse cenário reflete infelizmente a realidade de várias escolas contemporâneas, onde os profissionais de educação não recebem capacitação específica em saúde mental e gestão emocional, para lidar com as complexidades dos adolescentes de hoje.
As escolas desempenham um papel essencial na formação da identidade dos adolescentes, sendo espaços não apenas de aprendizagem acadêmica, mas também de desenvolvimento emocional e social. Para garantir um ambiente saudável e acolhedor, é fundamental que as instituições adotem estratégias de suporte e prevenção.
Uma das principais iniciativas é a implementação de programas de educação socioemocional, que ensinem os alunos a lidar com emoções e a construir relações interpessoais mais saudáveis. Além disso, a criação de canais de escuta, com profissionais capacitados para acolher estudantes em sofrimento, podendo ser determinante para oferecer o suporte necessário em momentos difíceis.
A capacitação de professores e funcionários também é essencial, permitindo que identifiquem sinais de alerta e saibam como agir diante de situações de vulnerabilidade. Por fim, políticas eficazes de combate ao bullying devem ser inovadoras para prevenir a violência escolar e garantir um ambiente seguro para todos. Com essas medidas, a escola se torna um espaço de aprendizado integral, fortalecendo o desenvolvimento dos adolescentes e preparando-os para a vida adulta.
– As questões não resolvidas na adolescência podem desencadear em problemas emocionais e psicológicos na fase adulta? Quais comportamentos são mais visíveis nesses adultos?
Sim, elas podem se manifestar como desafios importantes na vida adulta, refletido em diversos aspectos, prejudicando o bem-estar e o desenvolvimento pessoal.
Adultos que passaram por dificuldades na adolescência frequentemente apresentam comportamentos como baixa autoestima e insegurança crônica, que afetam a forma como se percebem e se relacionam com os outros. Além disso, podem ter dificuldade em estabelecer e manter relações saudáveis, muitas vezes devido a traumas não superados ou a um medo constante de exclusão.
O perfeccionismo excessivo, aliado ao medo de falhar, é outro comportamento comum, resultante da busca constante por aprovação e validação. A regulação emocional também costuma ser um desafio, com episódios de impulsividade ou apatia, dificultando o equilíbrio emocional. Por fim, muitos recorrem a padrões de trabalho exaustivos como uma forma de compensar inseguranças, na tentativa de testar seu valor ou evitar confrontos emocionais não resolvidos.
A Série também sugere que o suporte adequado, tanto da família quanto de profissionais capacitados é essencial para evitar que essas questões persistam na vida adulta. Algumas abordagens eficazes incluem a Terapia e acompanhamento psicológico, como um espaço seguro para expressão de sentimentos e dificuldades emocionais e Educação socioemocional, com escolas que estimulem as habilidades dos jovens e os ajudem a enfrentar os desafios com resiliência.
É importante lembrar que os jovens de hoje são o reflexo daquilo que é proporcionado ou não pelos pais e, que os pais devem exercer o papel de responsabilidade sobre os filhos. Mas o que vemos hoje são pais cada vez mais ausentes em casa por conta do trabalho e filhos que não recebem atenção, cuidado e amor, buscando compensação desses atos de forma fácil e imediata por meio do ambiente digital.
Não basta morar na mesma casa, os pais precisam vivenciar experiências com os filhos. A saúde socioemocional começa no ambiente familiar, com o estabelecimento de boas conversas, afeto, carinho e também de coragem.
O post “Adolescência”: sucesso na Netflix levanta temáticas importantes para os pais e filhos apareceu primeiro em Jornal Periscópio | Jornal do Povo.