É um peso que nasce conosco, cresce à medida que o tempo passa e se intensifica com cada nova responsabilidade que a sociedade coloca em nossos ombros. Em algum lugar entre as expectativas e a realidade, uma hora ou outra, somos confrontadas com a culpa. A pergunta que hoje eu quero fazer é: de quem é a culpa? Será que é só nossa?
Acredito que podemos dividir os “culpados” em duas categorias: aqueles que dependem apenas de nós para serem transformados e aqueles em que podemos contribuir para que, no futuro, nossas meninas possam usufruir de uma realidade melhor. Gostaria de iniciar pela última categoria…
Somos todas parte de uma mesma história, mas parece que o apoio real entre mulheres às vezes se perde nas cobranças, nos julgamentos, nas comparações que fazemos umas com as outras. Onde estão as mãos estendidas? Onde estão os olhares de empatia? A culpa aqui é do mundo que nos acostumou a ver umas às outras como concorrentes, e não como aliadas.
E então, há a demanda para que sejamos tudo: trabalhadoras dedicadas, esposas exemplares, mães incansáveis, donas de casa organizadas. Esse ideal que nos vendem é uma prisão que nos impede de respirar, e, ainda assim, nos culpamos por não sermos tudo, por não cumprirmos todos os papéis com a perfeição que nunca foi possível.
Vivemos em uma sociedade que afirma que “as mulheres podem tudo”, mas pouco se discute sobre as condições necessárias para que, de fato, possamos. A igualdade, quando observada de perto, não é plena, e nos faz sentir como se falhássemos em algo que, estruturalmente, nunca esteve ao nosso alcance.
Não é segredo que muitas mulheres carregam sozinhas uma carga que deveria ser dividida. A sociedade foi tolerante demais com a ausência ou o alívio de peso na balança das responsabilidades – do lado masculino, é claro! A mulher se vê cobrindo os espaços vazios e, ainda assim, carregando a culpa de não fazer mais.
Esses são pesos do mundo, heranças de uma sociedade que ainda não aprendeu a dividir a responsabilidade de criar, cuidar, sustentar e apoiar.
Mas não vamos parar aqui. E se, além de olhar para fora, olharmos também para dentro? Para as pequenas guerras que enfrentamos conosco mesmas? Para os fatores que influenciam nessa culpa e que temos a chance de modificar agora?
Há feridas que carregamos de uma infância em que nos ensinaram a obedecer, a agradar, a não fazer bagunça. Nos disseram o que era certo e o que esperavam de nós, mas raramente perguntaram o que desejávamos. Esta criança ainda vive em nós, e é ela quem, às vezes, dita nossas escolhas.
Nos acostumaram a ser incansáveis, a “dar conta”, a acreditar que uma pausa é uma fraqueza. Descansar é dar valor ao nosso próprio bem-estar, é cuidar da nossa energia. O descanso precisa ser ensinado, respeitado e, acima de tudo, permitido por nós mesmas.
Queremos ser mães perfeitas, profissionais perfeitas, pessoas que nunca erram. Mas e se aceitássemos que a perfeição é um peso desnecessário? Que há beleza no “bom o suficiente”? Esse perfeccionismo que nos sufoca é também um dos nossos maiores algozes.
Assumir que não damos conta de tudo não é fraqueza, é verdade. Mas quantas vezes conseguimos falar isso? É preciso coragem para abrir espaço para o outro, para aceitar que pedir ajuda não significa falhar, mas sim ser humana.
Estamos sempre tentando corresponder às expectativas de todos ao nosso redor, temendo desagradar, até mesmo quando isso nos pesa. Às vezes, precisamos deixar de lado a necessidade de agradar para viver a maternidade com leveza.
Nos ensinam a ser agradáveis, mas raramente nos ensinam a dizer não. Esses limites que faltam com o companheiro, com os pais, com os familiares, com os amigos – esses limites que não colocamos para proteger nosso tempo, nosso espaço, nossa sanidade.
A culpa materna tem muitas raízes, e reconhecer as que vêm de fora e as que vêm de dentro pode ser o primeiro passo para uma maternidade mais leve, mais nossa, mais humana. Não podemos mudar o mundo sozinhas, mas podemos começar a transformar o que está ao nosso alcance – com gentileza, com coragem e com menos culpa.
Karoline Aparecida Gonçalves, psicóloga, CRP 06/170380
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Publicado em March 8, 2025.
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