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As chances de “Ainda Estou Aqui” no Oscar

Por Stefanie Klein*

A indicação do Brasil em três categorias do Oscar é um feito histórico. Pela primeira vez, o Brasil é indicado ao prêmio de Melhor Filme e não apenas Melhor Filme Internacional. Essa semana, tivemos outro reconhecimento importante para o Brasil, em outro festival: o filme “O último azul”, de Gabriel Mascaro, recebeu o Urso de Prata em Berlim. Isso demonstra como a indicação do Oscar pode ter trazido mais visibilidade para o nosso cinema e outros filmes podem “surfar nessa onda”. Essa indicação também valoriza a língua portuguesa, que é levada para outros territórios do globo.

Ganhar o prêmio é um grande mistério. Tudo pode acontecer. Não podemos afirmar com certeza que o Brasil vencerá, mas também não podemos dizer que não há chances. Acredito que a categoria com maior possibilidade de levar o prêmio parece ser a de Melhor Filme Internacional. O filme “Emilia Pérez”, que se mostrava como principal concorrente do “Ainda Estou Aqui”, envolveu-se em algumas polêmicas, além de ser um filme feito na França sobre o México, o que levanta questões sobre a visão estrangeira de um país em vez de uma produção genuinamente mexicana. Além disso, a atriz envolvida no filme fez declarações xenofóbicas que geraram controvérsia, o que acabou afastando um pouco o filme dos holofotes. O Oscar é diferente de outros festivais de cinema, como Cannes ou Berlim, apesar de ainda ter um grande peso e ser, para muitos, a maior vitrine de cinema. No entanto, a qualidade de alguns dos filmes já premiados é questionável.

O Oscar é imprevisível. Não se trata apenas de critérios cinematográficos, mas também de interesses políticos. Neste momento, existem conflitos mundiais e diversos países procurando aliados. Embora Donald Trump tenha afirmado que não precisa do Brasil, sabemos que os EUA têm um grande interesse nas nossas riquezas naturais, como os nossos minérios, fundamentais para tecnologias que os EUA estão produzindo. Além disso, o Brasil tem uma posição estratégica em termos de alianças políticas, e os EUA poderiam se beneficiar disso em tempos de conflitos. Isso cria uma dinâmica política que pode influenciar as decisões no Oscar. Por outro lado existe um discurso por parte da Academia de tentar dar mais visibilidade a filmes não-falados em língua inglesa e um desejo de abrir espaço para a diversidade dentro do festival.

Na categoria de Melhor Atriz, Fernanda Torres enfrenta forte concorrência, especialmente com a atriz Demi Moore, que tem se destacado com a renovação da sua carreira no filme “A Substância”. Será difícil vencer Demi Moore, mas tudo pode acontecer.

Em relação ao filme “Ainda Estou Aqui”, ele é, na minha opinião, o melhor filme brasileiro já feito sobre a ditadura militar. A direção de Walter Salles também merecia uma indicação a Melhor Direção, já que seu trabalho como diretor foi excepcional. O orçamento financeiro também desempenhou um papel importante em tornar essa indicação possível. Estamos falando de um diretor que é um dos cineastas mais ricos do mundo e, talvez, sem os seus recursos, este filme não chegaria onde chegou. De qualquer forma, a indicação já é uma grande conquista, pois estar entre os indicados é extremamente difícil, mesmo com recursos. Quantos países existem? Quantos filmes de alta qualidade são produzidos ao redor do mundo? Chegar até ali é um grande desafio, e ocupar esse lugar é algo realmente notável. Por isso, só de termos sido indicados, já podemos nos considerar vencedores.

Há um sentimento amargo quando lembramos da vez em que Fernanda Montenegro não ganhou o Oscar de Melhor Atriz – o que até hoje causa indignação, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. A atriz que levou o prêmio naquele ano é pouco lembrada, e o filme em que ela atuou não se mostra relevante nos dias de hoje. Esse sentimento de injustiça pode colaborar para que o Brasil receba o prêmio – uma espécie de reparação do passado.

“Ainda estou aqui” traz uma questão problemática que influencia o tempo presente: a impunidade dos torturadores da ditadura. O caso de Rubens Paiva, mostrado no filme, é emblemático, pois o torturador e assassino ainda está vivo e, até hoje, recebe recursos financeiros do estado, sem ter sido julgado e responsabilizado pelo que fez. E a questão mais delicada nessa indicação ao Oscar é: a ditadura militar foi patrocinada pelos Estados Unidos. Isso cria um dilema: se o Oscar escolher premiar esse filme, estará arriscando abrir uma crítica a si mesmo ou aos Estados Unidos, o que torna o cenário ainda mais imprevisível. Será interessante ver o que acontecerá, especialmente em um possível discurso de agradecimento.


*Stefanie Klein é cineasta e professora, com atuação também na área museológica. É integrante do Cineclube de Itu desde 2018 e integrante do ICine – Fórum de Cinema do Interior Paulista, onde participou do Laboratório de Criação de Cinema do Interior como consultora de roteiro. Foi produtora dos curta-metragens Egotrip (2015), Karma Coma (2015) e Em Branco (2015) – este último exibido no Festafilm na cidade francesa de Montpellier. Estreou no departamento de Direção como 1ª assistente, com o documentário “Içara” (2016), selecionado para o Cine Bodó 2017 no Amazonas. Dirigiu o documentário “Cada Um Na Sua Piscina”(2017), contando a história da Associação Atlética Ituana. Em 2019, co-dirigiu o filme “Letargia Urbana”, que recebeu os prêmios de melhor fotografia, melhor trilha sonora original e melhor montagem no CineFest Votorantim. Foi roteirista do filme “Genuíno”, exibido no Cine Plaza Shopping em 2024.

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