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Na canetada, Bolsonaro cria programa para estimular o garimpo e altera o Código de Mineração

O governo Jair Bolsonaro achou um caminho mais curto e direto para conseguir atender aos interesses do lobby mineral: mudar tudo que puder mudar na canetada, sem a necessidade de passar pelo Congresso, acomodar interesses difusos e enfrentar a oposição.

Dois decretos publicados hoje – o 10.965 e o 10.966 – escancaram a opção pelo atalho de impor novas regras infralegais que favorecem sobretudo o garimpo.

Trata-se de movimentos claramente orquestrados, na sequência de outros decretos e programas influenciados diretamente pelo setor mineral, como tenho mostrado sistematicamente aqui no Observatório.

Entram nesse pacote o Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD), o recente decreto que autoriza a destruição de cavernas de máxima relevância ecológica (no momento suspenso pelo Supremo Tribunal Federal), os subsídios bilionários para usinas a carvão , as novas regras e flexibilizações implantadas pela Agência Nacional de Mineração desde 2020 (com o apoio e a influência direta da OCDE) e a prioridade dada para o PL 191/2020 , que autoriza mineração e garimpo em terras indígenas, entre outros movimentos.

O Decreto 10.965 altera o Código de Mineração de 1967, mostrando que Jair Bolsonaro não está disposto a esperar consenso de deputados para mudar a lei, conforme a encomenda que fez em 2021 e que acabou emperrada na Câmara .

Entre as principais e mais problemáticas alterações em relação aos textos anteriores está a previsão de que, agora, a ANM “estabelecerá critérios simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de outorga, principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte ou de aproveitamento das substâncias minerais de que trata o art. 1º da Lei nº 6.567, de 1978″

Os beneficiários diretos disso são o garimpo e a indústria de construção civil, que usa os minerais citados na lei de 1978 (com inclusões por lei de Bolsonaro de 2020), como argilas, cascalhos, brita, calcário, cálcio e rochas ornamentais.

São dois setores envolvidos diretamente no lobby em Brasília e que financiaram deputados responsáveis pela interlocução junto ao governo e que elaboraram o texto do Novo Código de Mineração.

O decreto 10.965 também facilita o aproveitamento e a comercialização dos rejeitos de minério e o uso de substâncias encontradas durante o processamento.

É comum que uma mesma jazida ofereça combinações de substâncias, como minério de ferro e ouro, por exemplo. Além da substância principal, a comercialização do que é encontrado durante a exploração agora contará com aprovação automática da ANM no caso da agência não se manifestar no prazo máximo estipulado.

Esta é uma demanda antiga do setor mineral. A aprovação instantânea após o prazo oficial tem se tornado regra na ANM, que vem passando um trator infralegal, como detalhei em matérias anteriores. E novas medidas estão em andamento .

A efetivação do registro de licenciamento em área considerada “livre”, por exemplo, será consumada em até 60 dias. Essas mudanças são parte inclusive de decisões fechadas em instâncias internacionais , como as reuniões da cúpula do governo Bolsonaro no Canadá e os encontros com embaixadores estrangeiros e executivos de mineradoras .

No mais, o Decreto 10.965 detalha as responsabilidades do empreendedor sobre a segurança das suas operações, a prevenção de desastres, a compensação socioambiental e as multas previstas.

Garimpo na Amazônia ganha um programa para chamar de seu

O lobby do garimpo é íntimo do governo Bolsonaro , presença frequente em reuniões e audiências em Brasília e também nos estados, em especial na Amazônia .

Um dos resultados alcançados por esse lobby é o Decreto 10.966 , o segundo da leva. Ele institui o “Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala – Pró-Mape”, com a finalidade de “propor políticas públicas e estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala, com vistas ao desenvolvimento sustentável regional e nacional”.

O que é chamado oficialmente de “pequena escala” é o garimpo (como explícito no artigo 4), hoje massivamente industrial, feito com máquinas pesadas, estrutura e logística multimilionária e rotineiramente ligado a uma série de crimes.

Embora bastante vago e genérico, utilizando termos como “abordagem multidisciplinar”, “integração” e “visão sistêmica”, o decreto abre brechas para a ampliação do garimpo na Amazônia, já extremamente problemático hoje.

A área minerada por garimpo saltou 495% dentro de terras indígenas apenas nos últimos 10 anos , segundo o MapBiomas. Nas unidades de conservação, o incremento foi de 301% no mesmo período.

Cerca de metade do ouro exportado pelo Brasil nos últimos 5 anos, 229 toneladas, tem indícios de legalidade , de acordo com estudo recém-lançado do Instituto Escolhas. Em áreas como o Tapajós, no sudoeste do Pará, o garimpo tem destruído centenas de quilômetros de rios e afetado irreversivelmente a vida de povos indígenas.

Dos 11 mil hectares abertos na Amazônia para mineração entre janeiro e setembro de 2021, 73% incidiram dentro de áreas protegidas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Nada disso é empecilho para o governo federal atual. O Pró-Mape cria a Comape (Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala), que deve “orientar e coordenar ações” as atividades do programa e será coordenada pelo Ministério de Minas e Energia e composta pelos ministérios da Casa Civil, Cidadania, Justiça, Meio Ambiente e Saúde. Este órgão fará reuniões semestrais. As decisões, portanto, ficam integralmente nas mãos do governo, sem contraponto.

O Decreto 10.966 tem o objetivo formal de “integrar e fortalecer as políticas setoriais, sociais, econômicas e ambientais para o desenvolvimento da atividade da mineração artesanal e em pequena escala no território nacional” e “promover a sinergia entre as partes interessadas e envolvidas na cadeia produtiva do bem mineral”, indicando, por trás do discurso “sustentável”, que o poder econômico é quem manda de verdade.

Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência disse que o programa “inaugura uma nova perspectiva de políticas públicas sobre a atividade garimpeira no Brasil”.

O custo dessa “nova perspectiva”, que não é nova, mas a continuidade do ideário da ditadura militar, resgatada pelos militares que controlam o governo Bolsonaro em todos os escalões – incluindo o Ministério de Minas e Energia, comandado por um almirante – já se mostrou alto demais para a sociedade para ser mantido como está, além de agravado pelas mudanças com impacto negativo em andamento.

Fonte

O post “Na canetada, Bolsonaro cria programa para estimular o garimpo e altera o Código de Mineração” foi publicado em 14th February 2022 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração

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