Quando começaram a aparecer as notícias com as acusações contra Saul Klein, de 66 anos (filho de Samuel), uma leitora me enviou uma DM contando que trabalhou na Casas Bahia e que todos sabiam o que o pai fazia (segundo ela, Saul foi afastado da família pelo pai preconceituoso).
Ela me escreveu: “Samuel Klein fazia a mesma coisa que o filho. Era um velho nojento que recebia meninas de 14, 15 anos no apartamento dele em São Caetano, que ficava no quinto andar da sede da Via Varejo (hoje, Rua Samuel Klein). Você não tem noção do nojo que eu tenho dessa família. Pedofilia tá no sangue deles”.
No final do ano passado surgiu uma reportagem do Uol , baseada em seis condenações judiciais, dizendo que jovens garotas iam a lojas da Casas Bahia para recolher pagamentos e mercadorias por serviços sexuais a Samuel Klein.
Hoje a Agência Pública publicou uma longa e detalhada reportagem sobre o patriarca, morto em 2014. Não vou reproduzir tudo, só algumas imagens, mas você precisa ler a matéria lá. Parabenizo o jornalismo independente e investigativo, que pode se dar ao luxo de peitar um dos maiores anunciantes do país, justamente por não ter anúncios. Num vídeo obtido exclusivamente pela Pública, podemos ver uma festa em 1994 com “150 amigas”.
A reportagem é desoladora. Mostra muito bem como ricos e poderosos podem fazer o que quiserem, com total impunidade.
E mostra também como, num país miserável como o Brasil, é fácil angariar meninas e adolescentes para servir sexualmente aos ricos e poderosos. Durante décadas, Samuel Klein estuprou o que parecem ser centenas de garotas na sede das Casas Bahia em São Caetano do Sul e nas suas mansões em Alphaville, Santos, e Angra dos Reis. Muitas meninas eram transportadas em helicópteros e táxis.
Claro que o “sexo” (na realidade, estupros) era sem camisinha. Havia uma enfermeira, que também funcionava como aliciadora, que aplicava injeção de Viagra em Samuel.
Todas as entrevistadas pela Agência Pública afirmam que Samuel preferia menores de 18 anos. Uma delas narra: “O que ele gostava era de desvirginar mocinhas. Quando ele pegava uma menininha menor, mocinha, que era virgenzinha mesmo, nossa, ele enlouquecia. Dava carro pra família, fazia qualquer coisa”.
Nos finais de semana ele distribuía dinheiro na porta de um condomínio em Angra e de um prédio em São Vicente. A notícia de que um empresário estava dando dinheiro corria rápido pela vizinhança pobre. Formavam-se filas. O síndico do prédio conta que os moradores fizeram um abaixo-assinado para tirar Samuel de lá. As meninas não sabiam o que se passava lá dentro, quando aceitavam entrar. “Ninguém falava sobre o que acontecia quando saía do quarto, na época as meninas eram envergonhadas. Saíam aflitas para ir no banheiro e só”, conta uma testemunha, que diz que cada uma recebia entre R$ 500 e mil, pagos em dinheiro vivo, “muito dinheiro na época”.
Algumas denunciavam ao Conselho Tutelar, mas nenhum processo ia pra frente. Sua equipe de advogados fazia acordos judiciais (sempre em segredo de justiça, com pacto de confidencialidade) e evitava que Samuel fosse citado. Muitos processos prescreviam. Um advogado ouvido pela reportagem disse que as provas (vídeos e fotos, inclusive de sexo explícito) eram incontestáveis. Um dos acordos com seis menores resultou em indenização e destruição das provas. A indenização às vezes era de R$ 5 mil. É esse o valor pra destruir a adolescência de alguém.
Foi um inquérito policial aberto contra Samuel em 2006 que mais avançou. É de uma menina que foi estuprada por ele aos 13 anos, em 2001. Ela o denunciou quando fez 17 anos (e não morava mais no mesmo estado) “para que isso não venha acontecer com as demais jovens, que passaram e estão passando por isso e não tem coragem de fazer a denúncia, por medo e por constrangimento, igual eu tive”. A família dela foi perseguida por Samuel. Seguranças tentaram suborná-la com R$ 50 mil. Ainda que testemunhas tenham sido ouvidas, um juiz extinguiu o processo em 2011. O MP-SP “reconheceu os indícios dos abusos, mas recomendou ao juiz o arquivamento dos autos pela simples impossibilidade de responsabilização criminal”, diz a reportagem. Samuel não era encontrado para ser citado. Ele faltava às audiências, apresentava atestados médicos, até que o prazo se esgotava.
Uma outra vítima tinha 14 e 15 anos quando foi estuprada por Samuel na sede da Casas Bahia, entre 2008 e 2010. Ela tentou denunciá-lo em 2010. Em 2013 pediu indenização, anexando fotos e outros documentos. Samuel morreu sem ser citado pela Justiça. Três anos depois, seu filho mais velho, Michel, foi citado. Mas em fevereiro último uma juíza negou à vítima a indenização. Aceitou os argumentos da defesa de que Samuel estava acamado desde 2006.
Porém, há vários registros de participações de Samuel em eventos públicos. Em 2010, uma colunista do Estadão, um jornal em que a Casas Bahia anuncia, escreveu: Além de absolutamente ativo, Samuel Klein praticamente mora na sede em São Caetano do Sul. Além de um quarto montado, se exercita diariamente em um corredor”.
Os advogados da menina recorreram, já que Samuel não estava acamado coisa nenhuma. A mãe da garota diz: “Eu não quero dinheiro com essa ação. No fundo, eu quero mostrar que, nesse país, pobre também tem direito”.
Imaginem todas essas vítimas assistindo ao Fantástico que, em dezembro do ano passado, fez uma reportagem sobre Saul Klein, que foi acusado de estupro por pelo menos 14 mulheres. Seus advogados, muito cinicamente, alegam que ele era apenas um “sugar daddy”. A certeza da impunidade é tão grande que, nas últimas eleições municipais, Saul foi candidato a vice-prefeito de São Caetano do Sul (pelo PSD, um dos partidos de sustentação de Bolsonaro que dizem defender a família e os bons costumes).
Temos o nosso próprio Jeffrey Epstein , Samuel Klein. Mas esse não morreu na prisão. Foi homenageado com nome de rua e é saudado como modelo de empreendedor. Um símbolo inegável do patriarcado e do capitalismo.